quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Inveja mata

INVEJA

Não há como se desvincular a imagem de Fernando Henrique Cardoso das de Carlos Menem e Alberto Fujimori. Em primeiro lugar, pela generosa submissão da troika ao Consenso de Washington, esperta sacação do Mercado para disseminar a cultura do Estado mínimo que nos legou o desmonte tanto irresponsável quanto nebuloso de grande parte do patrimônio nacional. Segundo, pelo alinhamento automático dos seus governos à política expansionista dos EUA, prática herdada das respectivas ditaduras militares. ( * )

Não é sem razão, portanto, a reação de CANDIDO MENDES – membro da Academia Brasileira de Letras, da Comissão de Justiça e Paz, do Conselho Internacional de Ciências Sociais da Unesco e secretário-geral da Academia da Latinidade, em artigo publicado pela Folha de S Paulo na última quarta-feira, ante um contraditório artigo do ex-presidente brasileiro, multiplicado pelos jornais do país à véspera do dia dos mortos. Queria FHC tentar tirar da indigência nossa medíocre oposição e parte da grande mídia.

Queria. Pois, como depois se viu, o artigo do ex-presidente, “Para onde vamos”, não passou de uma cínica coletânia de velhos chavões da mesma fonte indigente oposicionista dos últimos tempos. Diz Candido Mendes que o indeciso artigo de FHC vai estimular os eleitores nas próximas eleições a mostrar “para onde não voltamos”, principalmente quando o ex-presidente afirma, cinicamente, “que tudo que é bom no atual governo já veio de antes e que o mal de agora apenas começa”. ( * )

Uma sábia observação sociológica de que inveja é atributo dos narcisistas cai bem para o “príncipe dos sociólogos”. A invejável evidência do Brasil no conceito planetário fragilizou a estratégia do ex-presidente, cuja fala (contrariando as oposições e grande parte da mídia) abriu espaço a que as eleições de 2010 sejam radicalmente plebiscitárias, como quer o presidente Lula. Em primeiro plano, a privataria versus “a melhoria social do país e a recuperação do poder do Estado”, como observa Candido Mendes.

Teremos, de um lado, a falta de controle da Nação sobre o petróleo (um generoso regime entreguista de concessões). Do outro, a partilha, o modelo norueguês, que amplia a destinação social imediata dos recursos do subsolo. Nos setores onde o governo dos tucanos foi zero, teremos o PAC, milhares de obras a exibir a presença do Estado na mudança da infraestrutura, exigência do nosso desenvolvimento. E o Bolsa Família, uma política de transferência de renda e cidadania, que na visão de Candido Mendes, “colocou a população de uma Colômbia na nossa economia de mercado”.

“A conduta de Lula na determinação visceral de não ceder a um terceiro mandato, avassaladoramente acolhível, se assim quisesse o presidente, por emenda constitucional”, como entende Candido Mendes, expõe a desavergonhada batalha de FHC para que o Congresso Nacional lhe desse, a custa de muita corrupção, um mandato extra. É puro cinismo, portanto, o ex-presidente dizer que "é mais do que tempo dar um basta ao continuísmo antes que seja tarde". Simbolicamente dito no dia dos mortos.

Candido Mendes percebe ainda que “o embaraço do tucanato em reconhecer o ‘entreguismo’ dos controles públicos durante o seu governo é o mesmo que o alvoroça a comparar o governo Lula ao ‘populismo autoritário peronista”. Populismo, sabemos, é um termo utilizado pelo conservadorismo oligarca contra as políticas públicas de resgate do fosso social que ele próprio secularmente produziu. Populismo real é aquele que essas mesmas elites praticam há séculos para manutenção do poder e da pobreza.

A despeito deles, e de suas falas cheias de ódio e de inveja, o amadurecimento brasileiro, uma nova amplitude e uma nova densidade são o novo patamar que o mundo reconhece em nós de forma crescente. Na semana passada, o presidente Lula recebeu de instituição ligada à família real do Reino Unido, em Londres, importante prêmio por sua contribuição "à estabilidade e à integração na América Latina" e por seu papel na "resolução de crises regionais". Uma significativa (e invejável) premiação ao Brasil.

domingo, 8 de novembro de 2009

Uniban: a espetacular fábrica de canalhas


Mauro Carrara

Em anúncios publicados nos jornalões paulistas de 8 de Novembro, a Universidade Bandeirante (Uniban) anuncia que decidiu expulsar a aluna Geisy Arruda.
A estudante de Turismo sofreu bárbaro assédio coletivo no dia 22 de Outubro, na unidade de São Bernardo do Campo. O motivo: trajar na ocasião um vestido curto, num tom cereja.
O texto publicado pela Uniban deve converter-se imediatamente em peça de estudo para juristas, educadores, antropólogos e sociólogos.
A universidade preferiu punir a vítima e inventar uma justificativa pitoresca para o espetáculo do bullying, registrado por câmeras do próprios alunos e vergonhosamente exposto ao mundo pelo Youtube.
Segundo os negociantes da educação, "a atitude provocativa da aluna resultou numa reação coletiva de defesa do ambiente escolar".
Seria cômico se não fosse trágico. A Uniban, mais uma das uniesquinas do Brasil, considera "defesa do ambiente escolar" a agitação do bando que ameaçava estuprar a colega e que a perseguiu aos gritos de "puta, puta, puta".
Alheia a valores e princípios, a Uniban pautou-se unicamente pela doutrina da preservação do lucro. Expulsou a mocinha da periferia e manteve as centenas de vândalos que a molestaram.
Defendeu, assim, a receita, a contabilidade, mesmo sob o risco de macular para sempre sua imagem.
Em "Psicologia das Multidões", Gustave Le Bon refere-se com clareza ao fenômeno da sugestão em movimentos de multidões.
Diz ele: "Os indivíduos de uma multidão que possuem uma personalidade bastante forte para resistirem à sugestão são em número tão diminuto que acabam por ser arrastados pela corrente".
Le Bon lembra que, em determinadas situações, a multidão transforma o indivíduo civilizado num bárbaro, num ser primitivo, movido pelo instinto, que vibra com o ataque ao inimigo inferiorizado.
Poucas vezes se viu isso tão claramente quanto no episódio de 22 de Outubro. Há garotas inconformadas com a sina; afinal, não têm o corpão de Geisy. Há machões conquistadores não correspondidos, movidos pelo instinto de vingança. Por fim, a turba ignara que se diverte com a perseguição, algo muito semelhante à farra do boi.
A curvilínea e voluptuosa Geisy, que concedeu entrevistas aos programas televisivos vespertinos, exibiu-se no mesmo vestido que gerou a fúria de seus colegas de universidade.
Nada formidavelmente pecaminoso como se poderia imaginar. Aliás, fosse ela mirrada e poucos notariam a ousadia de suas vestes.
Esses aspectos objetivos da questão foram ladinamente desconsiderados pela direção da universidade.
Em nome do "negócio", a Uniban preferiu investir na fabricação de canalhas.
A decisão funciona como um sinal verde para os moralistas cafajestes de todos os tipos. Esse incentivo criminoso, pois, não se limita aos clientes da instituição, mas ao conjunto dos estudantes brasileiros.
Paulo Freire, costumava advertir os educadores com a seguinte frase:
"Conhecer é tarefa de sujeitos, não de objetos. E é como sujeito, e somente enquanto sujeito, que o homem pode realmente conhecer".
No caso em debate, a Uniban fez exatamente o contrário. Desprezou o sujeito, deseducando-o. Concomitantemente, priorizou o objeto, isto é, seu negócio, o prédio iluminado vendedor de diplomas.
Dessa forma, trocou todas as regras da civilidade por um repugnante código de carceragem.
O episódio Geisy revela a decadência do ensino universitário brasileiro, transformado em oportunidade de mercado. Essa é a herança do regime militar e dos governos conservadores que o seguiram, sobretudo aquele do privateiro Fernando Henrique Cardoso.
Ironicamente, o bajulado professor uspeano de tudo fez para esculhambar o ensino público de qualidade, entregando o sagrado ofício da educação às máfias dos certificados e aos traficantes de títulos acadêmicos.
Tempos de provação. E, como formigas, os canalhas saem aos montes dessas instituições, prontos a divinizar o pensamento neoliberal e a Lei de Gérson, seduzidos à barbárie por diversão.

sábado, 7 de novembro de 2009

Leão banguela

Caetano Veloso ataca de novo
06/11 - 14:55 - Regis Bonvicino

É bastante provável que Caetano Veloso vá votar em Marina Silva porque ela é (embora disfarce) criacionista, ou seja, não acredita na evolução das espécies, em Charles Darwin. O CD "Zii e Zie" (2009) não fez sucesso. O filme "Coração Vagabundo" (2009) idem. Veloso não produz nada digno de nota há - seguramente - duas décadas. Seu momento pós-tropicalista é desigual. Seu cancioneiro lírico-amoroso, basicamente, heterossexual, é papai-mamãe, convencional: idealiza o amor e o trata com "raiva", cinismo e ou ironia, para posar de amante rejeitado pela musa ou "conquistador", lirismo vazado, muitas vezes, em jargão da moda, que, em seu caso, substitui a própria ideia de letra, de lyrics.
Enumero algumas canções nessa trilha: "Eu te amo", "Vera gata", "Dom de iludir", "Ela e eu" e até "Queixa", que, para narrar uma situação de amor aberto, usa "vocábulos" kitsch, metáforas horrendas: "Princesa, surpresa, você me arrasou / Serpente, nem sente que me envenenou / Senhora, e agora me diga aonde eu vou / Senhora, serpente, princesa". Sem falar, no caso, na assonância, musicalidade, de ouvido mouco. Veloso é abstratizante em suas letras - vago, para parecer profundo. Não há concretude de linguagem, exceto no curto período tropicalista. E, depois, aqui e acolá. Suas canções são musicalmente pobres, quadradas, sem a força primitiva das de um Jorge Ben Jor. Veloso é um anti-Sam Cooke, que fazia do simples e direto algo de extraordinário.
Como não faz mais sucesso de estima e nunca fez de massa, Veloso se vale da velha tática. Atacar alguém, para levar público ao show. Desta vez, foi Luiz Inácio Lula da Silva, chamado de "analfabeto" e "grosseiro e cafona" ao falar. Quis surfar em popularidade alheia. De fato, um dos maiores erros de Luiz Inácio Lula da Silva foi ter nomeado Gilberto Gil para ser seu Ministro da Cultura e, depois, de ter "empossado" Juca Ferreira, o discípulo do autor de "Aquele abraço". Ao ser indagado sobre a Lei Rouanet, do qual tem se beneficiado há década, Veloso se calou, saindo-se com essa: "Não sou muito bom nesse negócio". Imagine se fosse. Dois exemplos recentes: a turnê do medíocre "Zii e Zie" foi autorizada a captar recursos milionários por Ferreira, contra parecer da comissão do MinC que examina os casos. "Coração Vagabundo" foi igualmente em parte financiado por essa Lei.
Ou seja, ele foge do debate de assuntos culturais. Esconde sua cabeça, como sempre fez. A Lei Rouanet transformou a cultura em objeto de comunicação social de corporações: na verdade, acabou com a cultura, com o conceito de o Estado amparar a cultura e não estimulou a criação de um mercado, que é pujante no liberalismo anglo-americano, que Veloso, na mesma entrevista, declara-se admirador. A Lei Rouanet precisa ser revogada. Claude Lévi-Strauss define cultura: "Em sua acepção geral, cultura designa o enriquecimento esclarecido do juízo e da capacidade de distinção". Veloso, como aponta Francisco Alambert, em nome da cultura, promoveu, desde os tempos do tropicalismo, a indistinção geral. O que no tropicalismo era, entretanto, abertura, tornou-se depois mero mecanismo de mercado, farsa.
Veloso incorporou do conceito de Lévi-Strauss o termo "enriquecimento esclarecido". Por isso talvez admire políticos quatrocentões como Aécio Neves, Ciro Gomes ou Mangabeira Unger - que eu nunca soube distinguir do Professor Pardal. Em virtude de seu "enriquecimento esclarecido" talvez critique a "vulgaridade" de Luis Inácio Lula da Silva e a paulistanidade deste e de José Serra, o "italianinho" - ambos produtos da "decadente" USP. Diz, como sempre, barbaridades: "O Serra é o tipo do cara que, se tivesse ganho no lugar do Lula, em 2002, teria trazido mais problemas à economia brasileira. Ele teria feito um governo mais à esquerda e a economia talvez tivesse problemas que não está tendo porque o Lula fez a economia à direita". E conclui do alto de sua "cátedra": "O Lula foi mais realista do que o rei. Foi bom, a economia deslanchou". O governo Lula tem problemas, falhas, mas Luis Inácio Lula da Silva é o presidente mais forte que o Brasil teve depois de Getúlio Vargas. É um mito, aqui e alhures, com uma trajetória política. O "literato" Sarney fala bem e, como Veloso sabe, proibiu o filme "Je vous salue Marie", de Jean-Luc Godard, quando era "presidente".
Não votarei em Marina Silva. Ela integrou o governo Lula por seis anos e, nesse período, não executou um projeto sequer de peso. Limitou-se a "bloquear" a ação alheia, segundo divulga. Suas opiniões são as de um cidadão comum, embora tenha sido Ministra de Estado. Não se fez propositiva, não se impôs. Ela não é a soma de Lula da Silva e Barack Obama, como a "define" Veloso napoleonicamente. A senadora é evangélica. Missionária da Assembléia de Deus. Líder informal dessa bancada temática no Congresso. Uma Sarah Palin, "à esquerda". No Partido Verde milita um Sarney. A bióloga Cláudia Magalhães denunciou (Época, 21 de maio de 2008) que, quando Ministra, promovia rezas evangélicas em seu gabinete e discriminava outras religiões. Relata que ela ganhou uma carranca no Festival Ecocultural do São Francisco, em Brasília, e se recusou a receber o presente, deixando a festa. Magalhães conclui: "Foi quando eu comecei a ver que a fé dela esbarra em sua atuação política". Magalhães informa que a Ministra tinha "um Pastor particular", chamado Roberto Vieira, que recebia seus honorários pela Unesco.
A República foi proclamada há cem anos: religião não pode se confundir com Estado. A fé não deve "bloquear" a ciência, embora, com diz Gil, "ela não costume faiá". O tema do resgate do meio ambiente - central para humanidade - não qualifica por si só Marina Silva a ser presidente do Brasil. Seria interessante que Veloso tivesse estudado "direito", nos dois sentidos. Veloso é um personagem "old fashion", que ainda se sente como "antena da raça", que se atribui o papel de porta-voz da sociedade - parece viver congelado no espírito messiânico dos anos 1960, do qual foi, relativamente, beneficiário à revelia, como o tempo revelou. Enfim, como todos sabemos, Veloso - haja vista sua amizade com Juca Ferreira e com Gil - é chegado numa "igreja". Cucurucu, Palomaaaaa!

sábado, 31 de outubro de 2009

O terror da farsa americana




A falsa guerra da América no Afeganistão
por F. William Engdahl

Um dos mais notáveis aspectos na agenda presidencial de Obama é quão pouco foi questionado nos media o motivo porque o Pentágono dos EUA está comprometido na ocupação militar do Afeganistão. Há dois motivos básicos, nenhum dos quais pode ser admitido abertamente em público.

Por trás do enganoso debate oficial sobre quantas tropas são necessárias para "vencer" a guerra no Afeganistão, se mais 30 mil são suficientes ou se pelo menos 200 mil são necessárias, o objectivo real da presença militar estado-unidense naquele país da Ásia Central é obscurecido.

Mesmo durante a campanha presidencial de 2008 o candidato Obama argumentou que era no Afeganistão e não no Iraque que os EUA deviam travar guerra. A sua razão? Porque ele afirmava que era onde a organização Al Qaeda estava escondida e que era a ameaça "real" à segurança nacional dos EUA. Mas as razões por trás do envolvimento estado-unidense no Afeganistão são muito diferentes.

Os militares dos EUA estão no Afeganistão por duas razões. Primeiro para restaurar e controlar o maior abastecedor de ópio do mundo para os mercados da heroína e para utilizar as drogas como uma arma geopolítica contra oponentes, especialmente a Rússia. Aquele controle do mercado da droga afegão é essencial para a liquidez máfia financeira da Wall Street, corrupta e em bancarrota.

Geopolítica do ópio afegão

De acordo até mesmo com um relatório oficial da ONU, a produção de ópio no Afeganistão ascendeu dramaticamente desde a queda do Taliban em 2001. Os dados da UNODC [United Nations Office on Drugs and Crime] mostram mais cultivo de papoula de ópio em cada um das últimas quatro estações de plantio (2004-2007) do que em qualquer ano durante o domínio Taliban. Agora é utilizada mais terra para o ópio no Afeganistão do que para o cultivo de coca na América Latina. Em 2007, 93% do opiáceos no mercado mundial tinham origem no Afeganistão. Isto não é acidente.

Foi documentado que Washington escolheu a dedo o controverso Hamid Karzai, um senhor da guerra pashtun da tribo Popalzai, há muito ao serviço da CIA, trouxe-o de volta do exílio nos EUA e criou uma mitologia hollywoodiana em torno da "corajosa liderança do seu povo". Segundo fontes afegãs, Karzai é o "Padrinho" do Ópio no Afeganistão de hoje. Aparentemente não é por acaso que ele foi e hoje ainda é o homem preferido de Washington em Cabul. Mas mesmo com compra maciça de votos, fraudes e intimidações, os dias de Karzai como presidente podem estar a acabar.

A segunda razão para os militares dos EUA permanecerem no Afeganistão muito depois de o mundo ter até esquecido quem é o misterioso Osama bin Laden e a sua alegada organização terrorista Al Qaeda, ou mesmo se eles existem, é como pretexto para os EUA construírem uma força de ataque com uma série de bases permanentes por todo o Afeganistão. O objectivo destas bases não é erradicar quaisquer células da Al Qaeda que possam ter sobrevivido nas cavernas de Tora Bora, ou erradicar um mítico "Taliban" o qual nesta altura, segundo relatos de testemunhas oculares, é constituído esmagadoramente de afegãos locais comuns a combaterem mais uma vez para livrar a sua terra de exércitos de ocupação, como o fizeram na década de 1980 contra os russos.

O objectivo das bases dos EUA no Afeganistão é visar e ser capaz de atacar os dois países que hoje representam a única ameaça combinada no mundo de hoje a um império global americano, à Dominação de Espectro Amplo (Full Spectrum Dominance) como a chama o Pentágono.

O "Mandato do Céu" perdido

O problema para as elites do poder em torno da Wall Street e em Washington é o facto de que agora estão na mais profunda crise financeira da sua história. Esta crise é clara para o mundo todo e o mundo está a actuar em busca da auto-sobrevivência. As elites dos EUA perderam o que na história imperial chinesa é conhecido como o "Mandato do Céu". Tal mandato é dado ao governante ou à elite dirigente desde que governem o seu povo com justiça e de modo razoável. Quando governam tiranicamente e como déspotas, oprimindo e abusando do seu povo, eles perdem aquele Mandato do Céu.

Se as poderosas elites privadas e ricas que têm controlado o essencial da política financeira e externa dos EUA durante a maior parte do século passado ou mais tinham um "mandato do céu", elas claramente perderam-no. Os desenvolvimentos internos rumo à criação de um estado policial abusivo com privação de direitos constitucionais dos seus cidadãos, exercício arbitrário do poder por responsáveis não eleitos tais como os secretários do Tesouro Henry Paulson e agora Tim Geithner, a roubarem somas de milhões de milhões de dólares dos contribuintes sem o seu consentimento a fim de salvar da bancarrota os maiores bancos da Wall Street, bancos considerados "Demasiado grandes para falirem", demonstram ao mundo que eles perderam o mandato.

Nesta situação, as elites do poder estado-unidense estão cada vez mais desesperadas por manter o controle de um império global parasita, chamado enganosamente pela máquina dos seus media, como "globalização". Para manter o domínio é essencial que eles sejam capazes de romper qualquer cooperação que venha a emergir entre as duas maiores potências da Eurásia no âmbito económico, energético ou militar, a qual poderia apresentar um desafio aos EUA como super-potência única — a China em combinação com a Rússia.

Cada potência euro-asiática traz à mesa contribuições essenciais. A China tem a economia mais robusta do mundo, uma enforme força de trabalho jovem e dinâmica, uma classe média educada. A Rússia, cuja economia não está recuperada do fim destrutivo da era soviética e do saqueio primitivo durante a era Yeltsin, ainda possui activos essenciais para a combinação. A força de ataque nuclear russa e o seu poder militar representam a única ameaça no mundo de hoje à dominação militar dos EUA, ainda que em grande medida sej um resíduo da Guerra Fria. As elites militares russas nunca abandonaram aquele potencial.

A Rússia também possui o maior tesouro do mundo em gás natural e vastas reservas de petróleo de que a China necessita urgentemente. As duas potências estão a convergir cada vez mais através de uma nova organização que criaram em 2001, conhecida como a Organização de Cooperação de (SCO). Esta inclui também os maiores estados da Ásia Central: Casaquistão, Quirguistão, Tajiquistão e Uzbequistão.

O objectivo da alegada guerra estado-unidense contra o Taliban e a Al Qaeda é na realidade colocar a sua força militar de ataque directamente no meio do espaço geográfico desta emergente SCO na Ásia Central. O Irão é um desvio de atenção. O objectivo ou alvo principal é a Rússia e a China.

Oficialmente, é claro, Washington afirma que construiu a sua presença militar no interior do Afeganistão a partir de 2002 a fim de proteger uma "frágil" democracia afegã. É um argumento curioso dada a realidade da presença militar estado-unidense ali.

Mais nove bases

Em Dezembro de 2004, durante uma vista a Cabul, o secretário da Defesa Donald Rumsfeld finalizou planos para construir nove bases no Afeganistão nas províncias de Helmand, Herat, Nimrouz, Balkh, Khost e Paktia. As novas somam-se às três principais bases militares dos EUA já instaladas na sequência da sua ocupação do Afeganistão no Inverno de 2001-2002, ostensivamente para isolar e eliminar a ameaça de terror de Osama bin Laden.

O Pentágono construiu as suas primeiras três bases no Aeródromo de Bagram a Norte de Cabul, o principal centro logístico dos EUA; no Aeródromo de Kandahar, no Sul do Afeganistão; e no Aeródromo de Shindand na província ocidental de Herat. Shindand, a maior base dos EUA no Afeganistão, foi construído a meros 100 quilómetros da fronteira do Irão e a uma distância de ataque à Rússia e também à China.

Historicamente o Afeganistão tem sido a área central para o Grande Jogo russo-britânico, a luta pelo controle da Ásia Central durante os séculos XIX e princípio do XX. A estratégia britânica então era impedir a todo o custo que a Rússia controlasse o Afeganistão e portanto ameaçasse a jóia da coroa imperial britânica, a Índia.

O Afeganistão encarado de modo semelhante pelos planeadores do Pentágono, como altamente estratégico. É uma plataforma a partir da qual o poder militar estado-unidense pode ria ameaçar directamente a Rússia e a China, bem como o Irão e outras terras ricas em petróleo do Médio Oriente. Pouco mudou geopoliticamente ao longo de mais de um século de guerras.

O Afeganistão é uma localização extremamente vital, abarcando a Ásia do Sul, a Ásia Central e o Médio Oriente. O país também está situado ao longo de um proposto traçado de oleoduto dos campos petrolíferos do Mar Cáspio para o Oceano Índico, onde a companhia de petróleo americana Unocal, juntamente com a Enron e a Halliburton de Cheney, tem estado em negociações para obter o direito exclusivo de trazer gás natural do Turquemenistão através do Afeganistão e do Paquistão para a enorme central termoeléctrica a gás natural da Enron em Dabhol, próximo de Mumbai. Karzai, antes de se tornar o presidente fantoche dos EUA, foi um lobbista da Unocal.

A ameaça da Al Qaeda não existe

A venda quanto a toda simulação quanto à finalidade real no Afeganistão torna-se clara com um olhar mais atento à alegada ameaça "Al Qaeda" no Afeganistão. Segundo o escritor Erik Margolis, antes dos ataques do 11 de Setembro de 2001, a inteligência dos EUA estava a dar ajuda e apoio tanto ao Taliban como à Al Qaeda. Margolis afirma que "A CIA estava a planear utilizar a Al Qaeda de Osama bin Laden para incitar uighurs muçulmanos contra a governação chinesa, e os Taliban contra aliados da Rússia na Ásia Central.

Os EUA evidentemente encontraram outros meios de levantar uighurs muçulmanos contra Pequim em Julho último através do seu apoio ao Congresso Mundial Uighur. Mas a "ameaça" Al Qaeda permanece a base da justificação de Obama para a sua escalada guerreira no Afeganistão.

Agora, contudo, o Conselheiro de Segurança Nacional do presidente Obama, o antigo general dos Fuzileiros Navais James Jones, fez uma declaração, a qual foi convenientemente enterrada pelos media amigos dos EUA, acerca da importância estimada do perigo actual da Al Qaeda no Afeganistão. Jones disse ao Congresso que "A presença da al Qaeda está muito diminuída. A estimativa máxima é de menos de 100 operacionais no países, sem bases, sem capacidade para lançar ataques sobre nós ou nossos aliados".

Isto significa que a Al Qaeda, para todos os propósitos práticos, não existe no Afeganistão. Oh...

Mesmo no vizinho Paquistão, os remanescentes da Al Qaeda mal podem ser encontrados. O Wall Street Journal relata: "Caçados por drones [aviões sem piloto] dos EUA, aflitos por problemas de dinheiro e descobrindo ser mais difícil atrair jovens árabes para as negras montanhas do Paquistão, a al Qaeda está a ver o seu papel reduzir-se ali e no Afeganistão, segundo relatórios de inteligência e responsáveis do Paquistão e dos EUA. Para jovens árabes que são os recrutas primários da al Qaeda, "não é romântico estar no frio, com fome e escondido", disse um responsável superior dos EUA na Ásia do Sul.

Se levarmos a declaração à sua consequência lógica devemos concluir então que a razão para soldados alemães estarem a morrer juntamente com outros jovens da NATO nas montanhas do Afeganistão nada tem a ver com "vencer uma guerra contra o terrorismo". Convenientemente a maior parte dos media prefere esquecer o facto de que a Al Qaeda, na medida em que alguma vez existiu, foi uma criação da CIA na década de 1980, a qual recrutou e treinou radicais muçulmanos como parte de uma estratégia desenvolvida pelo chefe da CIA de Reagan, Bill Casey, e outros a fim de criar "um novo Vietname" para a União Soviética a qual levaria a uma humilhante derrota do Exército Vermelho [1] e ao colapso final da União Soviética.

Agora o general Jones do Conselho de Segurança Nacional dos EUA admite que no essencial não há mais qualquer Al Qaeda no Afeganistão. Talvez seja tempo para um debate mais honesto dos nossos líderes políticos acerca do verdadeiro propósito de enviar mais jovens para a morte a fim de proteger as colheitas de ópio do Afeganistão.

 F. William Engdahl

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Obama pede a Lula para pressionar Irã contra programa nuclear

Folha Online

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, pediu nesta quinta-feira ao colega brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, ajuda para pressionar o Irã a renunciar a um programa nuclear que Washington diz ter fins militares, informou a Casa Branca.

Os dois líderes se reuniram nesta quinta-feira por 30 minutos, em um encontro paralelo à Cúpula do Grupo dos Oito (G8, os sete países mais desenvolvidos e a Rússia) na cidade italiana de Áquila. No encontro, os dois abordaram a situação no Irã, o golpe de Estado em Honduras, a crise econômica, a energia e a mudança climática.

Michel Euler/AP
O presidente Lula conversou por 30 minutos com o colega Obama
O presidente Lula conversou por 30 minutos com o colega Obama

Segundo o porta-voz da Casa Branca, Robert Gibbs, Obama explicou a Lula que os EUA contam com o Brasil, que mantém boas relações comerciais com o Irã, para ajudar a convencer a República Islâmica a renunciar a um programa nuclear com fins militares.

Gibbs acrescentou que Obama disse a Lula que essas boas relações concedem ao Brasil uma oportunidade única para reiterar a posição do G8 acerca do Irã.

Na noite passada, os países do G8 (EUA, Canadá, Japão, Reino Unido, França, Alemanha, Itália e Rússia) emitiram uma declaração na qual afirmam que reconhecem "que o Irã tem o direito de contar com um programa civil nuclear, mas com a responsabilidade de dar uma confiança baseada em que o objetivo de suas atividades nucleares será sempre pacífico".

Honduras

Em sua reunião, Obama também expressou a Lula seu agradecimento pela coordenação do Brasil e de outros países no continente para buscar uma solução diplomática em Honduras, de modo que o deposto presidente Manuel Zelaya volte ao poder.

Sobre a mudança climática, os dois países decidiram manter a cooperação para buscar um maior consenso entre os países diante da reunião sobre o tema em Copenhague, em dezembro.

O G8 aprovou nesta quarta-feira uma declaração na qual se comprometia a reduzir em 80% suas emissões de gases poluentes até 2050, e propunha uma redução de 50% para os países em vias de desenvolvimento.

Os principais países emergentes, como Índia e China --dois dos principais poluentes--, são contra essa redução. O tema polêmico não estará no debate que Obama presidirá nesta quinta-feira no Fórum das Maiores Economias (MEF, em inglês) sobre mudança climática.

As negociações se concentrarão em conseguir que os países emergentes aprovem a meta de limitar o aumento da temperatura terrestre a uma média de dois graus Celsius, algo que o G8 também aprovou em seu documento da quarta-feira.

Crise

Lula e Obama abordaram também a crise econômica e repassaram os passos que podem ser dados para ajudar os mercados emergentes, assim como a importância da regulação financeira.

O encontro entre Obama e Lula ocorreu antes que o G8 começasse uma reunião com as cinco maiores economias emergentes --Brasil, México, China, Índia e África do Sul-- e o Egito.

No encontro entre os dois líderes, houve também um momento de descontração, quando Lula presenteou Obama com uma camisa da seleção brasileira autografada pelos jogadores.

Posteriormente, o porta-voz da Casa Branca, Robert Gibbs, disse que Obama brincou com Lula sobre a final da Copa das Confederações da África do Sul, na qual o Brasil acabou vencendo os Estados Unidos na final por 3 a 2, após virar o placar de 2 a 0 para os americanos.

Os EUA "nunca voltarão a ceder uma vantagem de dois gols", disse o presidente americano, em meio a risos de Lula, segundo Gibbs.

Gibbs disse que a reunião aconteceu por iniciativa de Obama, que, desde sua chegada à Casa Branca, também falou por telefone com o líder brasileiro cerca de seis vezes e já tinha se reunido com Lula na sede da Presidência americana em março.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

CIA e Europa estão por trás de protestos no Irã

O presidente da Venezuela, Hugo Chévez, durante cúpula da Alba, nesta quarta-feira (AFP)

Chávez voltou a manifestar apoio ao presidente iraniano

BBC Brasil

O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, afirmou, nesta quarta-feira, acreditar que a CIA (Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos) e países europeus estejam por trás dos protestos da oposição contra os resultados das eleições presidenciais no Irã.

As declarações foram feitas durante o encontro de chefes de Estado da Alba (Alternativa Bolivariana para as Américas) em Maracay, na Venezuela, que marcou adesão de Equador, São Vicente e Granadinas e Antígua e Barbuda ao bloco de orientação esquerdista.

Durante a cúpula, Chavéz reafirmou seu apoio ao presidente reeleito do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, e disse que sua vitória nas eleições do último dia 12 de junho foi “de acordo com todas as leis”.

“Começam a sair pesquisas de última hora e (dizem que) houve empate, depois que ganhamos (as eleições, dizem) que houve fraude.”

“As pessoas nas ruas (a oposição no Irã) têm atiradores, e por trás deles está a CIA e a mão imperial dos países europeus e dos Estados Unidos”, afirmou o presidente venezuelano.

“Ahmadinejad ganhou de acordo com todas as leis. Estamos absolutamente seguros disso. Conhecemos a realidade iraniana”, disse.

Embaixadores

As acusações de Chávez foram feitas no mesmo dia em que os governos de Estados Unidos e Venezuela confirmaram que irão restabelecer seus respectivos embaixadores em Caracas e Washington, nove meses depois da retirada dos diplomatas de seus postos por um desentendimento político.

O embaixador americano havia sido expulso da Venezuela em setembro do ano passado.

Na ocasião, Chávez afirmou que a medida era uma manifestação de solidariedade à Bolívia, que havia acusado o governo dos EUA de envolvimento em um suposto plano contra o presidente Evo Morales.

Após a expulsão, o governo americano respondeu solicitando o afastamento do embaixador venezuelano em Washington.

segunda-feira, 22 de junho de 2009


A coisa Berlusconi


Texto do escritor português JOSÉ SARAMAGO, Nobel de Literatura, divulgado no jornal espanhol El País ( * ) do último dia 6 de junho.


“Não vejo que outro nome lhe poderia dar. Uma coisa perigosamente parecida a um ser humano, uma coisa que dá festas, organiza orgias e manda em um país chamado Itália. Essa coisa, essa enfermidade, esse vírus ameaça ser a causa da morte moral do país de Verdi se um vômito profundo não consegue arrancá-lo da consciência dos italianos antes que o veneno acabe corroendo as veias e destroçando o coração de uma das mais ricas culturas europeias”.

“Os valores básicos da convivência humana são pisoteados todos os dias pelas patas viscosas da coisa Berlusconi que, entre seus múltiplos talentos, tem uma habilidade funambulesca (excêntrica, extravagante) para abusar das palavras, pervertendo-lhes a intenção e o sentido, como no caso do “Pólo da Liberdade”, que assim se chama o partido com que assaltou o poder”.

“Chamei delinquente a esta coisa e não me arrependo. Por razões de natureza semântica e social que outros poderão explicar melhor que eu, o termo delinquente tem na Itália uma carga negativa muito mais forte que em qualquer outro idioma falado na Europa. Foi para traduzir de forma clara e contundente o que penso da coisa Berlusconi que utilizei o termo na acepção (sentido) que a língua de Dante lhe vem dando habitualmente, embora seja mais do que duvidoso que Dante o tenha utilizado alguma vez”.

“Delinquência, no meu português, significa, de acordo com os dicionários e a prática corrente da comunicação, ‘ato de cometer delitos, desobedecer a leis ou a padrões morais’. A definição assenta na coisa Berlusconi sem uma prega, sem uma ruga, a ponto de se parecer mais a uma segunda pele que à roupa que se põe em cima”.

“Há anos a coisa Berlusconi vem cometendo delitos de variável mas sempre demonstrada gravidade. Para cúmulo, não só tem desobedecido a leis como, pior ainda, as tem mandado fabricar para salvaguarda dos seus interesses públicos e privados, de político, empresário e acompanhante de menores, e quanto aos padrões morais, nem vale a pena falar, não há quem não saiba em Itália e no mundo que a coisa Berlusconi há muito tempo que caiu na mais completa abjeção (baixeza, aviltamento, degradação)”.

“Este é o primeiro-ministro italiano, esta é a coisa que o povo italiano por duas vezes elegeu para que lhe servisse de modelo, este é o caminho da ruína para onde estão a ser arrastados os valores de liberdade e dignidade que impregnaram a música de Verdi e a ação política de Garibaldi, que fizeram da Itália do século XIX, durante a luta pela unificação, um guia espiritual da Europa e dos europeus. É isso que a coisa Berlusconi quer lançar para a cesta de lixo da História. Permitirão os italianos?”